quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Invertebrados como Indicadores Biológicos

Série Ensaios: Doutorando Fernando Willyan Trevisan Leivas


Naturalmente ao longo da história evolutiva da terra mudanças ambientais são comuns, no entanto, historicamente o homem tem causado alterações ambientais intensas ou mesmo acelerado processos de transformações naturais. Dentre as distintas áreas da Biologia da Conservação, está o uso de organismos sensíveis aos efeitos da perturbação ambiental que, de certa forma, possam revelar informações relevantes para a conservação da biota. A fim de avaliar a saúde da biota ou integridade ecológica da paisagem é utilizada a possibilidade da seleção de táxons (espécies ou grupo de espécies) que possam representar outros membros do sistema. Esses representantes são denominados como indicadores biológicos ou bioindicadores e as respostas obtidas por meio estes grupos, idealmente, podem extrapoladas para o resto de sistema. Como cada organismo pode variar de maneira distinta as perturbações ambientais (de acordo com o tipo, intensidade e persistência do impacto) os indicadores biológicos podem ser divididos em: indicadores ambientais (indicam o estado biótico ou abiótico de um ambiente), indicadores ecológicos (representam o impacto da mudança ambiental em um hábitat, comunidade ou ecossistema) e indicadores de biodiversidade (indicam a diversidade de um subconjunto taxonômico, ou de toda a diversidade, dentro de uma área). Para o uso efetivo de um organismo como bioindicador não basta apenas que o mesmo responda perante as perturbações ambientais. Requisitos como diversidade conveniente, taxonomia bem resolvida, informações sobre história natural, ciclo de vida curto, fidelidade de hábitat, sedentarismo relativo e pouco uso humano são, entre outros fatores, requeridos para que o táxon possa ser utilizado com bioindicador. Neste contexto, os invertebrados podem ser efetivos como bioindicadores. Em geral eles apresentam respostas demográficas e dispersivas mais rápidas do que grande parte dos vertebrados e plantas, e podem ser amostrados em maior quantidade e em escalas mais refinadas do que os organismos maiores. Os dados gerados podem avaliar diferenças entre habitas ou fisionomias (saúde do hábitat em meio aquático ou terrestre), quanto a intensidade de impacto no ambiente, a qualidade da prática de manejo (na recuperação de áreas degradadas ou em áreas agrícolas) ou ainda os efeitos da fragmentação no sistema. O grupo de invertebrados mais utilizados como indicadores biológicos são os artrópodes, particularmente os insetos. Na avaliação de ambientes em meio aquático, os macroinvertebrados podem ser divididos quanto a sua tolerância frente as alterações ambientais. Os táxons sensíveis ou intolerantes se referem aqueles que necessitam de elevadas concentrações de oxigênio dissolvido na água para que ocorram no ambiente (principalmente os Ephemeroptera, Trichoptera e Plecoptera). Os organismos tolerantes são aqueles que permanecem no sistema por apresentarem certa resistência às alterações no ambiente (alguns moluscos, Diptera, Heteroptera e Coleoptera aquáticos e Odonata). No grupo dos invertebrados resistentes podemos citar as larvas algumas espécies de Diptera (Chironomidae) e Oligochaeta (minhocas aquáticas). Os invertebrados terrestres são importantes no monitoramente de sistemas agrícolas, são excelentes indicadores de estruturação da biota em áreas fragmentadas ou em distintos estágios de recuperação, e também podem gerar informações sobre o equilíbrio do ecossistema em áreas com pouca intervenção humana. Entre os invertebrados terrestres mais utilizados como bioindicadores estão as borboletas (principalmente as frugívoras), os besouros (Carabidae, Scarabaeidae e Staphylinidae) e as formigas (cortadeiras e legionárias). Ainda existem muitas barreiras para o uso de invertebrados como indicadores biológicos, principalmente em áreas tropicais pela carência no conhecimento da biodiversidade. Outros impedimentos como o uso de métodos de amostragem não apropriados ao grupo foco, falta de robustez na análise dos dados, ausência de informações sobre os recursos ecológicos dos táxons, e pouca correlação entre os padrões observados com os requisitos ecológicos dos táxons fazem com que o estudo de invertebrados como indicadores biológicos ainda seja embrionário em regiões tropicais. Apesar do conhecimento pré-existente sobre possíveis táxons bioindicadores, deve-se levar em consideração que as espécies possuem distribuição heterogenia e resposta distintas ao longo do globo terrestre. Uma avaliação particular comparando resultados com os de uma área “controle” (mesma formação vegetacional, porém com vegetação primária ou com grau de preservação melhor que da área de estudo) pode levar a uma interpretação robusta de qual táxon está respondendo de maneira mais informativa as alterações sofridas no ambiente.

Para saber mais:

Brown, K. S. Jr. 1997. Diversity, disturbance, and sustainable use of Neotropical forests: insects as indicators for conservation monitoring. Journal of Insect Conservation, n. 1, pp. 25–42.

Freitas, A. V. R. B.; Francini & Brown, K. S. Jr. 2003. Insetos como indicadores ambientais. In: Cullen Jr.; Rudra, R. & Valladares-Pádua, C. (orgs.). Métodos de estudos em biologia da conservação e manejo da vida silvestre. Editora da UFPR, Fundação O Boticario de Proteção à Natureza, p. 125–151.

Freitas, A. V. L.; Leal, I. R.; Uehara-Prado, M. & Iannuzzi, L. 2006. Insetos como indicadores de conservação da paisagem. In: Rocha, C. F. D.; Bergalo, H. de G.; Sluys, M. V. & Alves, M. A. dos S. (eds). Biologia da Conservação: Essências. Editora Rima. São Carlos, Brasil, p. 357384.

Lewinsohn, Thomas M.; Freitas, A. V. L.; Prado, P. I. 2005 Conservação de invertebrados terrestres e seus habitats no Brasil. Megadiversidade, v. 1, n. 1, p. 6269.

sábado, 15 de outubro de 2011

ENTOMOLOGIA FORENSE: e sua relação com a Ecologia Urbana

Série Ensaios: Mestranda Maria Fernanda Caneparo

A entomologia forense consiste em um campo das ciências forenses no qual o conhecimento da biologia e ecologia de insetos, e outros artrópodes, é aplicado para solucionar problemas de cunho legal (CATTS & GOFF, 1992; GREDILHA & LIMA, 2007). Diptera (moscas), Coleoptera (besouros), Lepidoptera (mariposas e borboletas), Hymenoptera (vespas, abelhas e formigas), Isoptera (cupins), Blattaria (baratas), Thysanura (traças), Anoplura (pulgas) e outros artrópodes como o Acari (ácaros) e Diplopoda (piolhos de cobra) são os grupos de interesse forense (SMITH, 1987; OLIVEIRA-COSTA, 2011). O estudo dos insetos pode ser categorizado de três formas de acordo com Lord & Stevenson (1986):

URBANA – a presença de insetos em áreas externas e/ou internas de imóveis pode prejudicar a compra e venda destes ou danificar suas construções, incluindo ações cíveis. Baratas, mariposas e cupins são exemplos que se enquadram nessa categoria.

PRODUTOS ESTOCADOS – contaminação de insetos (usualmente besouros) em produtos estocados, como cereais, grão, farinhas, frutas secas, entre outros produtos.

MÉDICOLEGAL – os insetos podem ser utilizados para estimar o IPM (intervalo post mortem) e prover informações complementares relacionadas ao crime (LORD & STEVENSON, 1986; BENECKE & LESSIG, 2001; OLIVEIRA-COSTA, 2011).

A carcaça ou cadáver é um recurso nutricionalmente rico, porém efêmero, que atua como fonte alimentar e abrigo para uma entomofauna ampla e variada (HANSKI, 1986). Os insetos podem desempenhar papéis diferentes neste ambiente de acordo com seus comportamentos de alimentação e são classificados em quatro guildas ecológicas: necrófagos; parasitas e predadores; onívoros; e acidentais (HANSKI, 1986; OLIVEIRA-COSTA, 2011; VILLET, 2011). Os necrófagos utilizam a matéria orgânica em decomposição como fonte proteica (OLIVEIRA-COSTA, 2011). Os parasitas usufruem da entomofauna cadavérica, da qual retiram os meios para o seu próprio desenvolvimento, já os predadores alimentam-se do corpo do inseto em si – de formas adultas e/ou imaturas (HANSKI, 1986; VILLET, 2011). Os onívoros são insetos com uma dieta ampla, alimentam-se tanto dos corpos quanto da fauna associada (HANSKI, 1986; OLIVEIRA-COSTA, 2011). E os insetos acidentais são os que se encontram ao acaso no cadáver, sua presença pode ser explicada pela frequência em que são encontrados naturalmente em determinadas regiões (OLIVEIRA-COSTA, 2011). O primeiro relato da literatura sobre a utilização de insetos como instrumento forense foi num livro chinês escrito por Sung Tz’u, em 1235. Essa obra relata que ocorreu um assassinato em um vilarejo chinês e o culpado foi revelado por sua ferramenta de trabalho conter resquícios de sangue, atraindo muitas moscas (CATTS & GOFF, 1992; BENECKE, 2001; OLIVEIRA-COSTA, 2011; PUJOL-LUZ et al. 2008). A partir de 1850 surgiram as primeiras pesquisas efetivas na área forense especialmente na França e Alemanha, sendo que esta se tornou mundialmente conhecida em 1984, através do livro sobre a fauna cadavérica de Mégnin, “La faune des cadavres” (BENECKE, 2001; OLIVEIRA-COSTA, 2011). O conceito rapidamente se espalhou pela América do Norte, que juntamente com a Europa Central, começaram a produzir estudos mais profundos relacionados à entomologia forense (BENECKE, 2001). No Brasil, os primeiros a abordar o tema foram Edgard Roquette-Pinto e Oscar Freire em 1908 (PUJOL-LUZ et al., 2008), sendo que recentemente houve um maior enfoque dos pesquisadores brasileiros em decomposição, sucessão entomológica e fauna cadavérica (MONTEIRO-FILHO & PENEREIRO, 1987; SOUZA & LINHARES, 1997; MOURA et al. 1997, 2005; CARVALHO et al. 2000, 2004; CARVALHO & LINHARES, 2001; MOURA, 2004; GOMES & VONZUBEN, 2005; GOMES et al. 2006; MISE et al. 2007, 2010; SOUZA et al. 2008; CARVALHO & MELLO-PATIU, 2008; ALMEIDA & MISE, 2009). O conhecimento adquirido sobre biologia, ecologia e taxonomia de insetos somados aos avanços gerais na tecnologia culminaram em relações estreitas entre a polícia investigativa e a entomologia forense, especialmente nas últimas décadas. Tal fato estimula o interesse nessa área, tanto por parte dos pesquisadores, médicos legistas e peritos, quanto por parte da população geral e produtores “hollywoodianos” ou de séries de tv.

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

ALMEIDA, L. M. & MISE, K. M. 2009. Diagnosis and key of the main families and species of South American Coleoptera of forensic importance. Revista Brasileira de Entomologia 53: 227-244.

BENECKE, M. 2001. A brief history of forensic entomology. Forensic Science International 120: 2-14.

BENECKE, M. & LESSIG, R. 2001. Child neglect and forensic entomology. Forensic Science International 120: 155-159.

CARVALHO, C. J. B. & MELLO-PATIU, C. A. 2008. Key to the adults of the most common forensic species of Diptera in South America. Revista Brasileira de Entomologia. 52(3): 390-406.

CATTS, E. P. & GOFF, M. L. 1992. Forensic entomology in criminal investigations. Annual Review of Entomology 27: 253–272.

GOMES, L. & VON ZUBEN, C. J. 2005. Study of the combined radial post-feeding dispersion of the blowflies Chrysomya megacephala (Fabricius) and C. albiceps (Wiedemann) (Diptera, Calliphoridae). Revista Brasileira de Entomologia. 49(3): 415-420.

GOMES, L; GOMES, G; OLIVEIRA, H. G. O; SANCHES, M. R. & VON ZUBEN, C. J. 2006. Influence of photoperiod on body weight and depth of burrowing in larvae of Chrysomya megacephala (Fabricius) (Diptera, Calliphoridae) and implications for forensic entomology. Revista Brasileira de Entomologia 50: 76-79.

GREDILHA, R. & LIMA, A. F. 2007. First record of Necrobia rufipes (De Geer, 1775) (Coleoptera; Cleridae) associated with pet food in Brazil. Brazillian Journal of biology 67(1): 187.

HANSKI, I. 1986. Nutritional ecology of dung and carrion feeding insects. In: SLANSKY, F. & J. G. RODRIGUEZ (Ed.). 1986. Nutrional ecology of insects, mites and spiders. New York: Jonh Wiley.

LORD, W. D. & STEVENSON, J. R. 1986. Directory of forensic entomologists, 2nd. Ed. Def. Pest Mgmt. Info. Anal. Center, Walter Reed Army Medical Center, Washington, D.C. 42 p.

MISE, K. M; ALMEIDA, L. M. & MOURA, M. O. 2007. Levantamento da fauna de Coleoptera que habita a carcaça de Sus scrofa L., em Curitiba, Paraná. Revista Brasileira de Entomologia. 51(3): 358-368.

MISE, K. M; SOUZA, A. S. B; CAMPOS, C. M; KEPPLER, R. L. F. & ALMEIDA, L. A. 2010. Coleoptera associated with pig carcass exposed in a forest reserve, Manaus, Amazonas, Brazil. Biota Neotropica 10: 321-324.

MONTEIRO-FILHO, E. L. A. & PENEREIRO, J. L. 1987. Estudo de decomposição e sucessão sobre uma carcaça animal numa área do estado de São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Biologia 47: 289-295.

MOURA, M. O; CARVALHO, C. J. B. & MONTEIRO-FILHO, E. L. A. 1997. A preliminary analysis of insects of medico-legal importance en Curitiba, State of Paraná. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 92: 269-274.

MOURA, M. O. 2004. Variação espacial como mecanismo promotor da coexistência em comunidade de insetos necrófagos. Revista Brasileira de Zoologia 21: 409–419.

MOURA, M. O; MONTEIRO-FILHO, E. L. A. & CARVALHO, C. J. B. 2005. Heterotrophic Succession in Carrion Arthropod Assemblages. Brazilian Archives of Biology and Technology 48(3): 473-482.

OLIVEIRA-COSTA, J. 2011. Entomologia forense: quando os insetos são vestígios. Campinas. Ed. Millennium. 3ª ed.

PUJOL-LUZ, J.R; ARANTES, L. C. & CONSTANTINO, R. 2008. Cem anos de Entomologia Forense no Brasil (1908-2008). Revista Brasileira de Entomologia 52(4): 485-492.

SMITH, K. 1987. A Manual of Forensic Entomology. Cornell University Press.

SOUZA, A.M. & LINHARES, A.X. 1997. Diptera and Coleoptera of potential forensic importance in southeastern Brazil: relative abundance and seasonality. Medicine and Veterinary Entomology 11(1): 8-12.

SOUZA, A.S.B., KIRST, F.D. & KRÜGER, R.F. 2008. Insects of forensic importance from Rio Grande do Sul State in southern Brazil. Revista Brasileira de Entomologia 52(4): 641-646.

VILLET, M. H. 2011. African Carrion Ecossistems and relation to Foresnsic Entomology.Pest Technology.Global Science Books (5). 1- 15p.