quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Espécies Invasoras (Texto: Dra. Marta Luciane Fischer)


Homem – espécie invasora?


Os primeiros hominídeos eram flexíveis e adaptáveis em seu comportamento, toleravam uma grande diversidade de condições ecológicas e climáticas e eram capazes de expansão demográfica e geográfica. Moram (1994) fez um amplo estudo da adaptabilidade humana e ressaltou que ela se manifesta tanto em termos socioculturais quanto fisiológicos, sendo que ambos proporcionam um mecanismo mais rápido para aumentar as chances de sobrevivência do que as mudanças fenéticas. Por isso, o autor ressaltou a importância da união de biólogos do comportamento humano e cientistas sociais sob a mesma estrutura ecológica para compreender de fato como se processa a adaptabilidade humana. Essa história de sucesso resultou em um grande preço a ser pago, devido ao aumento da pressão sobre os recursos. Assim, a dispersão por novas regiões, e não apenas o aumento da densidade populacional, foi a grande marca dos humanos (Foley, 1998). Segundo Foley (1998), as conseqüências dos humanos são assustadoras e já vem de longa data. Há cerca de 10 mil anos muitos ambientes e paisagens foram transformamos pela atividade humana. Desertos como do Saara se intensificaram, florestas foram destruídas completamente, sistemas fluviais foram alterados, foram criados lagos e represas. Nos últimos 400 anos a população humana passou de poucas centenas para quase sete bilhões. A ação do homem na natureza hoje é evidente, mas desde que começou a cultivar as plantas e criar os animais vem contribuindo para alterar forma, tamanho e comportamento dos organismos, chegando ate a criar novas espécies. O surgimento do homem marca outra fase importante de extinções. O homem pré-histórico afetou populações de faunas de continente inteiros, principalmente devido ao desperdiço da caça da megafauna. Grandes eventos de extinção dessa fauna foram registrados na Austrália a 40-50 mil anos, na Europa de 20-30 mil anos e nas Américas há pouco mais de 10 mil anos. No Pleistoceno a América do Norte perdeu 73,3% dos gêneros da sua megafuana, a América do Sul, 79,6% e a Austrália, 86,4%. Nas ilhas da Oceania a chegada dos humanos mais os seus comensais (e.g. ratos e gatos) resultaram em um impacto pré-historico que durou de 1.000 a 3.000 anos levando a extinção de 8.000 espécies de aves. Essas extinções seguiram as pegadas do homem e cronologia das extinções corresponde à chegada do homem nesses locais (Fernandez, 2004). Provavelmente isso se deu devido a esses animais não terem nenhum instinto para se defender dessa nova espécie invasora. Desde então, todo o planeta tem sofrido impacto diante a atividade massiva humana (Mooney & Cteland, 2001). Na Austrália mais do que 85% de gêneros terrestres com mais de 44 kg se extinguiram no final do Pleistoceno, provavelmente devido ao impacto humano (Miller et al., 1999). Os autores acreditam que ação humana sobre uma vegetação não pré-adaptada resultou e uma diminuição dramática na quantidade de árvores e arbustos do continente para o interior, causando estresse na fauna dependente, somando assim a seca e a predação humana, levando a megafauna à extinção. Nesse cenário, o próprio ser humano se comportou como uma espécie invasora, sendo o fenômeno mais antigo que imaginávamos (Wilson, 1992). Fernandez (2004) caracteriza bem os impactos das comunidades primitivas na natureza mostrando o exemplo do pueblo do Chaco Canyon. Estes se constituem de ruínas presentes no deserto do Novo México. Até pouco tempo se questionava porque esses índios teriam feito uma construção maciça de cinco andares com 650 habitações de mais de 201 metros de comprimentos por 95 de largura que podiam alojar 3 mil pessoas, no meio do deserto. Essa construção foi feita usando 200 mil troncos de árvores de 5 metros cada. Na verdade essa era o maior de vários pueblos construídos pelos anasazi. Com os estudos arqueológicos se descobriu que na verdade esse pueblo foi construído no meio de uma floresta, que foi totalmente dizimada para utilização da madeira e para agricultura. Os índios tentaram salvar a agricultura da erosão fazendo canais de irrigação, no entanto foi em vão, ao final de 300 anos a região se transformou em um deserto hostil, abandonando assim a região. O oriente médio já foi uma área muito fértil, o caminho da civilização que passo pela Grécia, Roma e Europa deixou um caminho de devastação. Segundo Fernandez (2004), a crise ecológica não é um aborrecimento passageiro, pois acompanha o homem ao longo da sua história. Ignorar esse fato não causa apenas um incomodo estético, mas a ruína da própria civilização.

O outro evento de impacto humano foi a chegada dos europeus às Américas - Conhecida como Era da Exploração - quando foram criadas verdadeiras brechas nas barreiras biogeográficas que isolavam biotas continentais por bilhões de anos. Inicialmente foi feito o transporte das espécies domesticadas, sendo registradas cerca de 1.500 só para o velho mundo (Mack et al. 1999). Segundo Primack & Rodrigues (2001), os europeus introduziram centenas de espécies de mamíferos (e.g. gado, porco, ovelhas e cabras) e aves nas colônias, a fim de terem um ambiente familiar. Junto com as plantas vieram as ervas daninhas e os insetos. As introduções podem ser intencionais e não intencionais, legais ou ilegais, o fato é que o transporte de espécies ao redor do mundo é muito antigo. O comércio internacional - que gera as riquezas dos países - movimentam as espécies de um local para outro e ironicamente diminuem a diversidade (Mooney & Cteland, 2001). Atualmente o enorme volume de exportações, a globalização e as tecnologias que diminuíram muito o tempo de viagem e aumentaram o fluxo, aumentam potencialmente o transporte de sementes, doenças e pequenos organismos, seja através das embalagens utilizadas nas mercadorias, água de lastro ou mesmo através dos turistas. Ratos europeus que chegaram nos navios colonizaram inúmeras regiões de porto. Doenças como varíola, sarampo, malária e difteria entre tantas outras, dizimaram populações humanas sendo levadas pelos Europeus (UCS, 2001). Inúmeras espécies são levadas de um lugar para o outro, porém menos de 30% conseguem efetivamente se estabelecer, pois encontram muitas barreiras bióticas e abióticas. Ainda, dessas a maioria (99%) se instala e se naturaliza sem causar maiores dados para o ambiente e apenas uma quantidade muito pequena se estabelece e se torna invasora usando os recursos de outras espécies. Essa porcentagem mínima é hoje considerada a segunda causa de perda de biodiversidade, perdendo apenas para a destruição de habitat (UCS, 2001).


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